Eu tenho risco de ter trombose venosa se usar anticoncepcional? Se minha mãe teve trombose, eu posso tomar anticoncepcional?

No consultório de Cirurgia Vascular e Angiologia, frequentemente somos questionados sobre o uso de anticoncepcionais orais e o risco de trombose venosa. Por isso, preparamos esse episódio de perguntas e respostas para esclarecer os principais pontos sobre o uso de contraceptivos hormonais e o risco de tromboembolismo venoso.


Eu sou o Dr. Robson Barbosa de Miranda e esse é o Fluxo Vascular, sua fonte de informação médica de qualidade e fácil compreensão. Toda semana um episódio com temas abordando as perguntas mais comuns no consultório médico vascular.


Bem-vindos a mais um episódio do nosso podcast Fluxo Vascular! Hoje iremos abordar um tema cercado de dúvidas e conceitos equivocados: “Anticoncepcional e Trombose: Desvendando as Perguntas Mais Frequentes”.

Antes de prosseguirmos, é importante ressaltar que a informação médica está em constante evolução e sujeita a revisões futuras. Aqui, no nosso podcast, nos esforçamos para fornecer as informações mais atualizadas e embasadas. No entanto, caso ocorram alterações significativas ao longo do tempo, estaremos prontos para fazer as correções necessárias e manter nosso conteúdo sempre atualizado.

Vamos começar entendendo o que são os anticoncepcionais orais e como eles funcionam. Os anticoncepcionais orais são uma combinação de hormônios femininos que impedem a gravidez, atuando na interrupção da ovulação, alterando o muco cervical e o revestimento uterino. Eles são utilizados desde a década de 1960, ganhando popularidade na década de 1980 pela sua eficácia, conveniência e reversibilidade. Além disso, não interferem na atividade sexual ou fertilidade.

Uma das principais dúvidas é se o anticoncepcional aumenta o risco de trombose. De forma geral, os anticoncepcionais orais combinados, que associam um hormônio derivado da progesterona e outro do estrogênio, aumentam em cerca de 2 vezes o risco relativo de trombose em comparação com mulheres que não utilizam contraceptivo oral. No entanto, é importante contextualizar esse risco.

Para termos uma comparação, a incidência de trombose venosa profunda em mulheres que não utilizam anticoncepcional oral é de aproximadamente 4,7 casos para cada 10.000 mulheres. Já em mulheres que utilizam contraceptivos orais combinados, essa incidência é de 9,1 casos para cada 10.000 usuárias. Esses dados são provenientes de um estudo europeu que acompanhou 58.674 mulheres ao longo de 2,5 anos.

Portanto, em termos relativos, o risco de tromboembolismo venoso em usuárias de anticoncepcionais orais é quase o dobro em comparação com não usuárias. No entanto, é interessante destacar que o risco de trombose venosa em gestantes é ainda maior, chegando a ser 6 vezes maior do que em mulheres não gestantes e 3 vezes maior do que em mulheres que utilizam contraceptivos orais combinados. É importante ressaltar que, muitas vezes, as preocupações com o risco trombótico em usuárias de contraceptivos orais são maiores do que a preocupação com o risco de trombose venosa durante a gestação e pós-parto.

Outra dúvida comum é se existe diferença de risco entre os tipos de anticoncepcionais. Sim, existe! Os anticoncepcionais orais combinados aumentam o risco trombótico em cerca de 2 vezes, em média. Esse aumento está principalmente relacionado ao componente de estrogênio presente na medicação. Quanto maior a dose de estrogênio, maior o potencial trombogênico. Por outro lado, os contraceptivos que contêm apenas progestágeno não apresentam aumento de risco de trombose venosa. Além disso, outras formas de contraceptivos, como o DIU de cobre ou hormonal (com progestágeno), assim como os implantes de progestágeno, não aumentam o risco de trombose venosa.

Se você já teve trombose venosa, surge a dúvida se ainda pode fazer uso de anticoncepcionais. A resposta é: depende! No caso dos anticoncepcionais orais combinados, que contêm estrógenos e progestágenos conjugados, não será possível utilizá-los devido ao aumento do risco trombótico. No entanto, é possível fazer uso de pílulas anticoncepcionais e outros métodos hormonais, baseados apenas em progestágenos.

E se você foi diagnosticada com trombose venosa, surge a questão se deve parar o anticoncepcional durante o tratamento. Surpreendentemente, você pode não precisar interromper o uso do contraceptivo oral combinado, caso haja a necessidade do uso durante o tratamento. Veja bem! Os anticoagulantes utilizados para tratar a trombose venosa podem aumentar o risco de sangramento uterino, e a supressão da menstruação com o uso de contraceptivos hormonais pode ser uma estratégia nesses casos, principalmente quando a paciente já apresenta sangramento uterino prévio ao início do tratamento ou passa a tê-lo após o início do tratamento da trombose. Nesse caso, os medicamentos anticoagulantes “anulam” o efeito pró-trombótico do anticoncepcional oral combinado.

Observe que essa é uma situação delicada e deve ser bem discutida entre o Angiologista que trata a trombose e o ginecologista que acompanha o tratamento hormonal da paciente. Soluções há para que a paciente trate de forma segura a trombose sem que incorra em desconforto por sangramento uterino.

Após o fim do tratamento anticoagulante, é possível substituir os contraceptivos orais combinados por métodos à base de progestágeno.

Outra a dúvida comum é se é necessário interromper o anticoncepcional antes de uma cirurgia (principalmente cirurgias plásticas). Na maioria dos casos, não há necessidade de interromper o uso do contraceptivo oral, a menos que haja outras contraindicações hormonais. Existe uma percepção equivocada de que suspender o uso do contraceptivo oral no período perioperatório diminuiria o risco de trombose venosa no pós-operatório. No entanto, não há fundamentação científica para essa prática.

O risco de trombose venosa profunda é maior nos primeiros meses de uso do anticoncepcional oral, diminuindo significativamente após o 4º mês e se estabilizando a partir do primeiro ano de uso. Interromper a medicação no período perioperatório pode, na verdade, aumentar o risco de trombose venosa, pelo fato de que o reinício do uso do contraceptivo oral combinado levaria a mulher para esse novo ciclo de risco dos primeiros meses de uso. Portanto, a menos que haja outras indicações médicas, não há justificativa para interromper o contraceptivo oral antes ou após uma cirurgia.

Por fim, uma pergunta frequente é se é necessário realizar testes de coagulação antes de iniciar o uso de anticoncepcionais orais. Idealmente, durante a consulta médica, o profissional deve avaliar fatores de risco que possam contribuir para um maior risco de trombose, como histórico pessoal ou familiar de tromboembolismo venoso, perdas gestacionais, obesidade e condições médicas específicas. Caso não haja esses fatores de risco, não há necessidade de realizar exames laboratoriais ou de ultrassom para investigar fatores de risco ocultos. Porém, se houver histórico consistente pessoal ou familiar de tromboembolismo venoso, uma investigação mais aprofundada pode ser necessária.

Esperamos que esse episódio de perguntas e respostas tenha ajudado a esclarecer algumas de suas dúvidas sobre anticoncepcionais e trombose. No entanto, é importante ressaltar que antes de iniciar o uso de contraceptivos orais hormonais, é fundamental buscar orientação médica, preferencialmente com um ginecologista. Os cirurgiões vasculares e angiologistas, assim como hematologistas, estão aqui para auxiliar você e seus médicos em questões relacionadas à circulação e podem ajudar nas decisões sobre o gerenciamento de risco tromboembólico na vigência de uso de contraceptivos orais ou reposição hormonal oral.

Fique ligado(a) para mais informações valiosas sobre saúde vascular em nossos próximos episódios. Seu bem-estar vascular é nossa prioridade!

Referências bibliográficas:

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  2. The safety of a drospirenone-containing oral contraceptive: final results from the European Active Surveillance Study on oral contraceptives based on 142,475 women-years of observation.  DOI: 10.1016/j.contraception.2006.12.019.
  3. Contraception and Venous Thromboembolism: Risk Factors and Clinical Considerations. DOI: 10.4236/ojog.2017.71003
  4. Oral contraceptives and hormone replacement therapy: How strong a risk factor for venous thromboembolism? DOI:10.1016/j.thromres.2021.03.012 
  5. Combined Oral Contraceptives and Venous Thromboembolism: Review and Perspective to Mitigate the Risk. Front. Endocrinol. 12:769187. doi: 10.3389/fendo.2021.769187

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