O que havia em comum entre o cientista Albert Einstein, o cantor Belchior e o último playboy brasileiro, Jorginho Guinle?

Apesar de personalidades e atividades diferentes, o que eles tinham em comum é que todos morreram em consequência de complicações de aneurismas da aorta.

Einstein teve seu aneurisma descoberto em 1948 e recusou a ser operado. O aneurisma rompeu em 1955 causando uma hemorragia fatal. Fez a seguinte afirmação:  “Quero ir quando quero. É de mau gosto prolongar a vida artificialmente. Eu fiz a minha parte, é hora de ir embora. Eu o farei elegantemente.”

Belchior, levando uma vida reclusa, faleceu dormindo, ouvindo música clássica. A necrópsia constatou a rotura de um aneurisma aórtico abdominal. Não tenho informações se sabia se tinha um diagnóstico prévio.

Já Jorginho Guinle teve um quadro de dor abdominal, foi levado ao Hospital de Ipanema, no Rio de Janeiro, onde foi diagnosticada a ruptura do aneurisma, mas optou por assinar um termo de responsabilidade e pediu alta para passar sua última noite no que chamava de céu, o hotel Copacabana Palace, onde morreu.

Apesar de românticas, essas histórias escondem uma condição silenciosa, mas de relativa facilidade diagnóstica desde que seja pensada a partir dos fatores de risco.

É o que vamos entender nesse episódio.

Eu sou o Dr. Robson Barbosa de Miranda e esse é o Fluxo Vascular, sua fonte de informação médica de qualidade e fácil compreensão. Toda semana um episódio com temas abordando as perguntas mais comuns no consultório médico vascular.

Para começar, vamos entender o que são aneurismas. Aneurismas são degenerações da parede dos vasos sanguíneos, sejam eles artérias ou veias. E que por estarem submetidos à pressão do fluxo sanguíneo, podem formar uma dilatação anormal da parede daqueles vasos. Essas dilatações são sempre patológicas, ou seja, anormais, e dependendo do local e tamanho, exigem diferentes condutas médicas de acordo com as evidências científicas atuais.

Quando falamos de aneurisma, muitas pessoas pensam automaticamente em aneurismas cerebrais. No entanto, você sabia que podemos ter aneurisma na artéria aorta? A aorta é a maior artéria do corpo humano. Ela se estende, a partir do coração, pelo tórax e abdome. Mas os aneurismas podem se desenvolver em qualquer vaso sanguíneo do corpo.

O aneurisma da aorta abdominal é particularmente importante. Ele pode acometer até 12,5% dos homens e 5,2% das mulheres, dependendo da presença dos fatores de risco, sexo, idade e características populacionais estudadas. Este tipo de aneurisma causa a morte de 1% dos homens acima dos 65 anos de idade, contabilizando aproximadamente 175.000 mortes ao ano em todo o mundo. A principal complicação é a ruptura da aorta que causa uma grave hemorragia interna que pode levar a uma mortalidade de 60% a 80% dos pacientes.

Agora, você deve estar se perguntando: quais são os fatores de risco para os aneurismas? Bem, há alguns fatores que aumentam a probabilidade de uma pessoa desenvolver um aneurisma. São eles: ser do sexo masculino, ter fumado ou ser fumante, idade avançada, história familiar de aneurisma aórtico, hipertensão arterial e doença arterial coronariana.

O diagnóstico do aneurisma é normalmente realizado por ultrassonografia em exames de rotina ou triagem. Idealmente a triagem com ultrassom-Doppler deve ser realizada em todos os tabagistas ou ex-tabagistas maiores de 65 anos a fim de diagnosticar a doença em tempo oportuno antes de um possível rompimento.

A maioria dos aneurismas não rotos podem ser planejados com calma e agendados para correção em uma cirurgia programada em uma data conveniente para o cirurgião e para o paciente, sem urgência.

A cirurgia do aneurisma da aorta abdominal pode ser realizada de duas formas: a cirurgia convencional, por via aberta, que realiza a exclusão do aneurisma e conexão das extremidades sadias da aorta com um tubo, ou a cirurgia endovascular, que trata o aneurisma através do posicionamento de um stent dentro do saco aneurismático através de cateteres, sem a necessidade de grandes incisões e pós-operatórios mais longos.

É importante lembrar que os aneurismas se desenvolvem de maneira silenciosa. Muitas vezes, eles podem ser assintomáticos e raramente apresentam sinais e sintomas específicos. A importância do rastreamento com ultrassom-Doppler em pacientes com fatores de risco é identificar e tratar o aneurisma enquanto ele é assintomático, para evitar a rotura do vaso, que é uma emergência médica de altíssima mortalidade porque é uma corrida contra o tempo.

Alguns sintomas e sinais agudos que podem acontecer em virtude da rotura do aneurisma incluem dor abdominal, tontura, fraqueza, náusea e vômito, pulsação forte na região abdominal e dor no tórax. Na maioria das vezes, o aneurisma da aorta é descoberto durante um exame de ultrassom para outros motivos e outras queixas.

Agora, vamos falar sobre a chance de rompimento de um aneurisma. Sendo a ruptura a principal complicação do aneurisma da aorta abdominal, estudos bem conduzidos demonstraram íntima relação entre o tamanho do aneurisma e o risco de rompimento da aorta. Por exemplo, aneurismas aórticos abdominais entre 3,0 e 3,9 cm de diâmetro têm 0% de rotura anual; entre 4,0 e 4,9 cm de diâmetro, 1% de rotura anual; e entre 5,0 e 5,9 cm de diâmetro, 11% de rotura anual. Por essa razão, a correção cirúrgica, convencional ou endovascular, é indicada a partir dos 5 cm de diâmetro, tamanho a partir do qual o risco de romper a aorta e morrer é maior que o risco cirúrgico para corrigir o aneurisma.

Apesar de estudos promissores, ainda não há medicamentos que impeçam o surgimento ou o crescimento dos aneurismas, portanto a melhor prevenção é o diagnóstico precoce para uma programação adequada do tratamento intervencionista quando o momento chegar.

No Brasil ainda não temos uma política oficial de saúde pública com o objetivo de detectar precocemente o aneurisma da aorta abdominal em pessoas com maior risco. No entanto, a Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular promove campanhas de conscientização para médicos de outras especialidades para que tenham essa preocupação em pesquisar essa doença em pacientes do sexo masculino, entre 65-75 anos de idade que já tenham fumado ou que tenham histórico familiar de primeiro grau que tiveram o diagnóstico de aneurisma aórtico.

O tratamento para o aneurisma da aorta é predominantemente cirúrgico e depende do seu tamanho. Cirurgias são indicadas para tratamento de aneurismas com altas chances de rompimento, aqueles maiores do que 5 centímetros e os aneurismas saculares, que têm uma característica de maior risco de ruptura.

Lembre-se, a informação é a melhor ferramenta para a prevenção. Então, se você ou alguém que você conhece se enquadra nos grupos de risco que mencionamos, não hesite em procurar um médico e solicitar um exame de rastreamento. A detecção precoce pode salvar vidas.

Espero que este episódio tenha sido útil e esclarecedor para você. Se você tiver alguma dúvida ou quiser saber mais sobre algum tópico específico, por favor, envie-nos um e-mail. Estamos aqui para ajudar a esclarecer e desmistificar as doenças vasculares.

O Fluxo Vascular é produzido, dirigido e editado por mim, Robson Barbosa de Miranda.

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